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Porto Alegre fez 250 anos (por Leonardo Melgarejo)

Porto Alegre fez 250 anos (por Leonardo Melgarejo)

E isso nos mostra que esta cidade, que já foi um polo cultural global, depende mesmo de sua alma, para não afundar. Se não podemos contar com os políticos que aqui se sucedem em conluio, nem para momentos de festa desta dimensão, o que pensar das tragédias?

Vejam que o atual prefeito, ciente de nossa vocação para o turismo, revalidou nesta data aquela coisa da roda gigante na beira do Guaíba.

Dizendo que “não é a mesma coisa”, Melo na prática ressuscitou uma proposta do prefeito anterior, que já foi rejeitada pela comunidade.

E de fato, não é a mesma coisa. Afinal, a Roda do Melo não fica no mesmo lugar e é até mais modesta. Terá apenas 66 metros, ao invés dos tresloucados 80 metros previstos na roda do Marchezan. De resto, continua sendo uma distração caça níquel, elitista e oportunizadora de negócios. Fala-se em R$ 60 milhões, a serem custeados pelo grupo que já tem (contrato assinado no ano que passou) a concessão do parque Harmonia, e mais vasta área da orla, até o ano 2056.

Impossível não lembrar da vida animada que aqui transcorria ao longo dos Fóruns Sociais Mundiais. Ou não pensar na pujança cultural da Restinga, no calor do Bloco da Lage, do Turucutá, do Piupiu do Mário e tantos outros blocos de rua. Que festa poderíamos fazer, tão somente chamando a cidade a participar, não é mesmo?

E o que nos impede de ocupar o espaço destinado ao povo, nesta cidade? Penso que seja o abafamento de nossas estrelas. Penso que seja o esforço das máfias.

Penso que para que os 250 anos da cidade brilhassem como devido, bastaria que aqueles gananciosos egoístas não atrapalhassem.

Como exemplo, e destacando que talvez o evento cultural mais importante desta festa de 250 anos, se apoie no coração de uma única mulher de 87 anos, quero falar sobre isso.

Zorávia Bettiol, nossa maior artista, é uma ativista desde que percebeu (segundo ela aos 6 anos), que a injustiça, a pobreza, a miséria e o desrespeito têm uma mesma raiz, inaceitável, que deve ser arrancada. Ela grita isso, em xilogravuras, pinturas, desenhos, tapeçarias, esculturas e construções envolvendo palavras que cativam. É uma pessoa que transborda em sorrisos, pensamentos, gestos e ações agregadoras, que mobilizam a todos/as que dela se aproximam.

Pois é por isso que para os/as que ainda não se renovam de energia e fé, na fonte de Zorávia, e que sofrem com o que se passa em Porto Alegre, que afirmo: não deixem de visitar a Seleção ECARTA, Uma artista e sua cidade. Se trata de uma retrospectiva com obras que Zorávia Bettiol produziu entre 1956 e 2021, com curadoria de André Venzon (as visitações vão até 8 de maio, de terças a domingos, das 10h às 18h – Av. João Pessoa, 943, PoA).

É de longe o melhor programa deste aniversário de Porto Alegre, e para limitar os comentários a uma única obra, imagine uma família classe média, passeando.

A filha segura um fio, preso a um balão. O balão é uma pomba da paz, que voa laçada pelo pescoço. O cachorro, que é uma fera, está pronto a avançar sobre nós. E sustentando a calçada, por onde eles passam, cabeças de negros e índios.

Há muito mais a ser visto em cada uma das 46 peças. Elas falam das motivações de que precisamos para salvar o país da degradação que, sob nossa apatia, a tudo corrói.

Elas falam da irmandade.

https://youtu.be/h1IA2t7IdMY

Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Leonardo Melgarejo

Engenheiro Agronômo pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1976), mestrado em Economia Rural pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1990) e doutorado em Engenharia de Produção pela Universidade Federal de Santa Catarina (2000). Foi representante do Ministério do Desenvolvimento Agrário na CTNBio (2008-2014) e presidente da AGAPAN (2015-2017). Faz parte da coordenação do Fórum Gaúcho de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos (2018/2020 e 2020-2022) e é colaborador da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e pela Vida, do Movimento Ciência Cidadã e da UCSNAL.

Edição: Katia Marko


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