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“O sistema de justiça está matando mulheres”: Carol Loss denuncia omissão institucional
A dor que não silencia
A escalada de feminicídios no Rio Grande do Sul e a omissão das instituições que deveriam proteger as mulheres foram o foco de uma entrevista comovente e contundente. A socióloga Carol Loss, também doutora e mestra em Sociologia e bacharela em Segurança Pública, denunciou o que chamou de “genocídio de mulheres” e apontou o sistema de justiça como um dos principais responsáveis pela manutenção da violência de gênero.
Durante a entrevista, realizada no programa Contraponto da RádioCom, Carol Loss fez duras críticas à atuação do poder judiciário e alertou para a banalização da violência contra as mulheres. A especialista ressaltou a importância da escuta qualificada, da responsabilização institucional e da educação para combater essa realidade.
Ela reforçou que a cada mulher assassinada, toda a sociedade perde. “Quando morre uma de nós, morremos todas um pouco”, disse. A entrevista foi marcada por momentos de emoção e indignação, refletindo a urgência de medidas concretas e transformadoras.
Genocídio de mulheres: uma verdade invisibilizada
Logo no início da entrevista, Carol Loss foi enfática: “Estamos vivendo um genocídio de mulheres”. A expressão, carregada de significado histórico, foi usada para chamar atenção à sistematicidade das mortes e à omissão estatal diante da violência. “Desde o processo de colonização, as mulheres são mortas, violentadas e silenciadas. Isso é uma política de Estado”, afirmou.
Ela destacou que o uso da palavra “genocídio” é proposital e necessário para descrever a magnitude do problema. “Assim como houve um extermínio sistemático de povos no passado, hoje há um extermínio sistemático de mulheres, especialmente das mais vulneráveis – negras, indígenas, pobres”, explicou.
Além de resgatar esse contexto histórico, Carol apontou que o feminicídio é a ponta do iceberg de uma série de outras violências que se acumulam diariamente na vida das mulheres. Desde a infância até a velhice, praticamente nenhuma mulher passa incólume por experiências de violação.
O sistema de justiça como agente de violência
Carol Loss dirigiu suas críticas especialmente ao poder judiciário. Segundo ela, há uma responsabilização equivocada da sociedade e das famílias, enquanto as instituições que deveriam proteger e garantir direitos falham sistematicamente. “O principal culpado é um sistema de justiça falho, que desde a base até o topo não nos protege”, declarou.
Ela apontou falhas recorrentes nas delegacias, onde mulheres são desestimuladas a denunciar seus agressores. “Não queremos acolhimento afetivo, queremos um boletim de ocorrência feito com seriedade, agilidade e compromisso”, frisou. A ausência de encaminhamentos rápidos para medidas protetivas pode custar vidas, alertou.
Carol ainda mencionou que muitas vezes o atendimento à mulher é carregado de julgamento moral, o que agrava a dor e o medo das vítimas. “O que precisamos é de objetividade legal, não de subjetividade ideológica”, enfatizou.
A cultura patriarcal dentro do Judiciário
Ao refletir sobre as causas dessa omissão, Carol destacou a influência da cultura religiosa e conservadora sobre o sistema jurídico. “Muitas vezes, quem julga a nossa vida tem um crucifixo sobre a cabeça. Isso fala muito sobre o que está sendo julgado”, disse. Para ela, a noção de culpa, herdada de princípios religiosos, substitui a noção de responsabilidade legal.
Segundo Loss, esse imaginário se manifesta, por exemplo, em decisões que minimizam a gravidade da violência doméstica sob a justificativa de “preservar a família”, em sentenças que desqualificam o depoimento da mulher por ela não ter “comportamento adequado”, ou ainda em julgamentos que colocam em dúvida a palavra da vítima. Em muitos casos, o agressor é tratado com mais empatia do que a mulher agredida.
Carol também expressou frustração com mulheres que ocupam cargos de decisão e reproduzem práticas machistas. “Quando uma juíza pede a ajuda de um homem para tomar uma decisão, ela está dizendo que não se sente capaz. Isso é devastador para nós.”
Violência institucional escancarada
A entrevistada também citou casos recentes de violência praticada por policiais militares durante o exercício da função, como forma de evidenciar que não se trata de falta de estrutura, mas de negligência e desumanização. “Se temos viaturas sendo usadas para estupros, e chamadas ignoradas por quem deveria proteger, é porque o sistema está podre”, denunciou.
Carol também fez uma crítica contundente ao papel de mulheres que ocupam cargos de decisão no sistema de justiça e, ainda assim, reproduzem o machismo estrutural que deveriam combater. “Quando uma juíza diz que precisa de um homem para tomar uma decisão, ela está abrindo mão do próprio poder e legitimando a ideia de que mulheres são incapazes. Isso não é só simbólico, é violento”, afirmou. Para Loss, essas atitudes reforçam um ciclo perverso de silêncio e submissão, alimentando um sistema que escolhe quem tem o direito de viver – e quem será deixada para morrer.
Ela concluiu esse raciocínio afirmando que romper com esse padrão exige coragem e responsabilidade de quem ocupa esses espaços. “Não basta estar lá. É preciso estar comprometida com a vida das mulheres, com a escuta, com a justiça real – aquela que protege e transforma. Quem se cala ou se omite, participa da violência”, declarou, chamando atenção para o papel ativo que figuras do Judiciário precisam assumir no enfrentamento ao feminicídio.
*Confira a entrevista completa no canal da RádioCom Pelotas no YouTube.
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