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Número de pistolas apreendidas pela polícia no RS cresce 557% em apenas um ano

A análise da série histórica das armas apreendidas pela Polícia Civil e Militar no Rio Grande do Sul pode ser um indicativo do que tem acontecido na segurança pública do estado e também do efeito da flexibilização do acesso às armas promovido pelo governo de Jair Bolsonaro (PL). O ano de 2021 salta aos olhos. O revólver, historicamente o tipo de arma mais apreendida pela polícia, foi ultrapassado por larga diferença pela pistola, uma arma de maior poder de fogo e capaz de disparar tiros em sequência automática.

Em 2020, as policias Civil e Militar apreenderam 1.547 revólveres e 630 pistolas. No ano seguinte essa relação se inverteu completamente, com a apreensão de 4.144 pistolas e 2.390 revólveres. O percentual de pistolas recuperadas cresceu 557% de um ano para o outro, enquanto o de revólveres aumentou 54%. Os dados foram obtidos pelo Sul21 via Lei de Acesso à Informação (LAI).

As hipóteses para tentar compreender esse fenômeno variam. Na análise da delegada Vanessa Pitrez, diretora do Departamento Estadual de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), o aumento das apreensões de pistolas em relação aos revólveres significa que as pistolas têm sido mesmo mais usadas na prática criminosa. Outro fator destacado por ela é o recrudescimento do trabalho das forças de segurança pública em aprender um maior número de armas.

“A gente tem esse viés dentro das forças de segurança, no sentido de investigar e aprender o maior número de armas possível. Se aprimorou muito o trabalho integrado entre as forças de segurança e a troca de informações. A gente conseguiu observar um trabalho mais efetivo no sentido da prisão por porte de arma e apreensão de armas que seriam usadas em atentados, roubos ou disputas pelo tráfico de drogas”, explica a delegada Vanessa.

O pesquisador Bruno Langeani, gerente de projetos do Instituto Sou da Paz, acrescenta outras possíveis explicações para o crescimento sem precedentes da apreensão de pistolas no RS. Para ele, o estado gaúcho chama atenção por dois motivos. O primeiro é a mudança de patamar das armas apreendidas, um aumento que não é visto em outro lugar do Brasil. Uma possível causa, ele avalia, se refere ao momento da segurança pública no RS, com uma corrida armamentista causada pelo recrudescimento da guerra entre facções criminosas nos últimos anos.

Langeani, porém, acrescenta outro elemento nesse caldeirão explosivo ao refletir que o fenômeno no estado coincide com o período da flexibilização na compra de armas proporcionada pelo governo de Jair Bolsonaro (PL). Durante seu mandato, o governo federal alterou a legislação e facilitou muito o acesso a armas mais potentes para a população civil. Embora não na mesma dimensão do RS, pesquisas feitas pelo Instituto Sou da Paz mostram algo semelhante em São Paulo, Rio de Janeiro e Distrito Federal.

Com a população civil mais armada, pode crescer a quantidade de pessoas com armas roubadas ou furtadas. Armas que, compradas legalmente, acabariam abastecendo o crime. Outro problema, esse sim já constatado, é o crime organizado usar pessoas registradas como caçador, atirador ou colecionador (CAC) para obter armas legalmente.

“Isso traz uma facilidade para o crime organizado modernizar o seu armamento, comprar armas mais potentes e por um preço menor. Me parece que a combinação desses fatores, guerra de facção com uma política federal que facilita o acesso à arma, inclusive pela criminalidade, teve efeitos no Sul”, afirma o pesquisador.

Ele explica que o perfil das armas do crime no Brasil era predominantemente de armas curtas e de fabricação nacional. E embora a substituição do revólver pela pistola seja um fenômeno esperado, no caso do RS, a velocidade com que isso aconteceu impressiona.

“No Rio Grande do Sul isso acontece em tempo recorde. Olhando os dados de vários estados, não vi em nenhum local uma mudança acontecer num período tão curto. Se você somar a quantidade de pistolas aprendidas de 2016 até 2020 (no RS), não dá a quantidade de pistola aprendidas em 2021. Então 2021, sozinho, é mais do que tudo que você aprendeu nos últimos cinco anos”, se espanta o gerente de projetos do Instituto Sou da Paz.

Origem das pistolas

A diretora do Departamento Estadual de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), Vanessa Pitrez, prefere não fazer a relação do aumento da população civil armada com o incremento do arsenal usado por grupos criminosos. Para ela, seria preciso analisar caso a caso de revólveres, pistolas ou fuzis roubados ou furtados de civis e relacioná-los com as armas apreendidas pela polícia sob posse de criminosos.

“A gente não tem como afirmar, diante desse cenário, que a flexibilização da compra de armas legalizada tenha refletido nesse maior número de pistolas utilizadas pelos criminosos e na maior apreensão de armas por parte das forças de segurança, embora tenhamos armas e munições apreendidas e que foram adquiridas por CACs”, afirma a diretora do DHPP.

Ela enfatiza que algumas investigações já identificaram CACs repassando armas para grupos criminosos, mas diz que o maior número de armas apreendidas não vêm desse cenário. A delegada ainda pondera que uma parte das pistolas apreendidas são de origem estrangeira, principalmente da marca argentina Bersa, o que a faz pensar que essas armas têm vindo das fronteiras e não da compra legalizada dentro do País. “A gente nota realmente que pode haver uma deficiência na fiscalização e controle do ingresso dessas armas no território nacional”, diz.

Os dados da Brigada Militar mostram que a diretora do DHPP tem razão, em parte. Pistolas estrangeiras das marcas Bersa, Glock, Smith & Wesson e Colt, para citar algumas, têm sido de fato mais aprendidas nos últimos anos. Porém, os mesmos dados revelam que o maior crescimento de pistolas apreendidas em 2021 é daquelas de origem nacional. Em 2020, por exemplo, foram apreendidas 531 pistolas Taurus no RS e, no ano seguinte, houve um salto para 1.629 pistolas Taurus apreendidas.

No caso da marca Rossi, também de fabricação nacional, o movimento igualmente chama atenção. Enquanto em 2020 foram apreendidas apenas 3 pistolas, em 2021 foram 620. Em 2022, com dados da BM computados até agosto, já são 365 pistolas Rossi apreendidas e 1.046 Taurus.


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