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Nei Lisboa contragolpeia a destruição nacional em novo trabalho

Nei Lisboa contragolpeia a destruição nacional em novo trabalho

Músico gaúcho lança nas plataformas digitais o EP Pandora, um grito contra o Brasil do bolsonarismo e do capital financeiro

Às vezes desesperançoso e incrédulo, mas sempre com força, Nei Lisboa lançou, na última semana, o EP Pandora, a visão que tem de uma destruição iniciada muito antes, mas intensificada nos tempos pandêmicos de Covid-19. Não sobra para nenhum dos personagens, protagonistas e coadjuvantes, do pesadelo – ou fim do sonho – brasileiro: nas canções todos ficam quietos, com as orelhas de burro abaixadas, ouvindo o artista descascá-los sem cerimônia.

Pandora, descreve Nei ao Cidade Invisível, foi uma experiência moldada pela Covid-19. Os arranjos foram tratados pelo Zoom e as gravações em boa parte ocorreram à distância ou respeitando isolamento social. Um trabalho aflitivo, mas também interessante, salienta o músico. “Um desafio e um aprendizado que talvez se revele um novo normal de produção, daqui para a frente.” O EP conta com cinco faixas e uma série de golpes necessários em quem golpeou o Brasil e assim o faz diariamente.

Nei entende o trabalho mais como a interpretação de um artista sobre o atual momento, não exatamente uma análise. Uma espécie de afetos resultando na opinião de que vivemos “um descalabro histórico danoso sob tantos aspectos que há de ser muito duro recuperar o país para o patamar de antes do Bolsonaro, de antes do golpe.” “Todos os atores dessa construção são bem conhecidos: a elite empresarial, a mídia, a Lava Jato, os militares, as igrejas que apostaram no fascismo para manter a esquerda longe do poder e para seu próprio benefício. E são na verdade pequenos fantoches do capital financeiro, este sim o grande poder globalizado de nossos tempos”, reflete. Não há receita infalível para reerguer esse castelo desabado e vencer o que chama de “cartel do engodo e da exploração”, entretanto. “Conseguir que se jogue pelas regras, que a próxima eleição aconteça de forma limpa,  já seria uma vitória. Meu receio é de que isso não aconteça.”

E se música e Brasil se confundem, assim como acontece com Carnaval, futebol e outras expressões populares que garantem a subjetividade em um país cujo pensamento crítico é cada vez mais nivelado por baixo, é preciso usá-la como ferramenta para um possível renascimento nacional. É o que Nei Lisboa faz no novo disco, ao não deixar um verso sequer sem refletir, criticar, contra-atacar a mistura de jumento com psicopata posto no cargo mais alto da política nacional. “A música de certa forma resgata a dívida da escravidão, resgatando em alegria a dor que um poder imperial impôs e segue impondo às populações pobres e pretas no nosso país. Não sei se há um papel melhor que esse a se aspirar, mas quando isso se conjuga também com a palavra de denúncia, de luta, revela uma força política impressionante”, comenta.

Como o desastre brasileiro já galopava solto antes do coronavírus protagonizar o mundo, Nei crê que o disco não tenha exatamente uma interferência direta da pandemia, até por ter sido composto antes de 2020. Mas a Covid-19 está presente nas canções, ainda que indiretamente. “O tema do disco estava posto e continuou sendo o desastre dessa era bolsonarista, e a pandemia está então bem presente, no negacionismo e no projeto genocida que nos legou centenas de milhares de mortes’, explica. O artista foi infectado pelo vírus e passou 12 dias internado, precisando passar por sessões de fisioterapia e semanas de repouso – a recuperação, entretanto, foi completa e rápida ao ponto de surpreender a ele e a muita gente.

Com a impossibilidade de fazer shows durante a pandemia e a falta de vacinas, Nei apostou em outras formas de manter o trabalho sustentável, como a participação nos editais, uma experiência da qual guarda memórias não tão positivas, como a sensação de que os artistas foram postos a competir, uns contra os outros e a recusa no Prêmio Trajetórias Culturais, da Secretaria de Cultura do RS, dele e de outros artistas consagrados, como Frank Jorge, Luiz Carlos Borges, Luis Vagner, Tonho Crocco, Fughetti Luz. Situação que o obrigou a publicar nota, em seu site, repudiando o resultado. “Verba pública é patrimônio de todos, responsabilidade coletiva, sempre, de gestão pontualmente delegada. Quem sabe até andássemos melhor, nessa matéria de auxílios à Cultura, distribuindo uma quantia menor para todos os inscritos habilitados. Seria certamente mais simpático e apaziguador de tensões para a classe e as comunidades”, escreveu.

Sem se encaixar nesse modelo, Nei encontrou saída nas lives e no financiamento coletivo – espirituosamente chamado Quanto vale uma trajetória?. 480 pessoas apoiaram um total de R$ 32.595 à campanha online. Ele agradece, mas entende que é um formato longe do ideal. “Acho que seria termos boas políticas de estado, facilitando estruturalmente a produção e circulação cultural, subvencionando o que é carente de meios ou que tem menor apelo comercial, corrigindo distorções. O financiamento coletivo é uma ótima muleta para situações específicas, mas costuma funcionar melhor para quem já tem bom público e recursos, em detrimento de quem está surgindo ou desassistido.”

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Por Leon Sanguiné – leon@cidadeinvisivel.art.br

Cidade Invisível


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