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Moradoras denunciam abandono estrutural no Recanto de Portugal e cobram retorno do IPTU

 Moradoras denunciam abandono estrutural no Recanto de Portugal e cobram retorno do IPTU

Moradia sem estrutura: alagamentos, esgoto a céu aberto e promessas não cumpridas

No Recanto de Portugal, bairro da zona sul de Pelotas, a cada chuva intensa, moradores perdem a tranquilidade, bens materiais e, muitas vezes, a própria saúde. Foi esse cenário que as moradoras Eliane Brum e Martha Adamy descreveram em entrevista ao programa Contraponto, da RádioCom. Elas relataram anos de descaso, com ruas e casas sendo invadidas pela água e uma infraestrutura que simplesmente não existe.

“Liberaram construção sem exigir o mínimo: calçamento, drenagem, esgoto. A gente construiu, mas o Estado nunca veio”, afirmou Martha. O resultado disso é um bairro onde a água da chuva se acumula, mistura-se com o esgoto das fossas e invade residências por ralos, pátios e portas. A situação se agrava com a ausência de qualquer ação preventiva ou planejamento por parte do poder público.

Para além dos prejuízos materiais, os impactos emocionais e de saúde são profundos. Eliane relatou ter desenvolvido labirintite devido ao estresse causado por sucessivos alagamentos em sua casa. “Eu nunca tinha tido isso. Me acordei um dia com tontura e ansiedade. É a cabeça tentando dar conta do que o corpo já não aguenta mais.”

Ação coletiva e cobrança no Ministério Público

Diante do descaso, os moradores decidiram se organizar. Em setembro de 2024, um inquérito civil foi instaurado pelo Ministério Público, a pedido da comunidade, com base em uma representação assinada por Eliane Brum e outros residentes do bairro. O processo inclui registros fotográficos, abaixo-assinado e um memorial descritivo das condições de moradia.

Segundo o inquérito, o promotor Adriano Pereira Zibetti solicitou providências imediatas ao SANEP e à Prefeitura, incluindo a apresentação de um plano de drenagem. A primeira resposta do SANEP prometia ações emergenciais e um projeto mais amplo no prazo de até seis meses. No entanto, os prazos venceram, e o plano não foi entregue. A Prefeitura, por sua vez, informou que não possui setor especializado para obras de drenagem, transferindo a responsabilidade ao SANEP.

Apesar da cobrança oficial, a resposta prática não veio. “Passaram os 15 dias, passaram os seis meses, e nada foi feito”, lamentou Eliane. A indignação cresce com o silêncio institucional diante de uma situação tão crítica. Os moradores continuam monitorando o andamento do processo.

IPTU alto e ausência de retorno: “Onde está esse dinheiro?”

Um dos aspectos mais revoltantes relatados por Eliane e Martha é o valor elevado do IPTU cobrado no bairro, mesmo diante da completa ausência de estrutura. “Pagamos como se morássemos em uma zona nobre, mas vivemos em um lugar sem calçada, sem esgoto, sem ônibus e com ruas que viram rios”, afirmou Martha. A cobrança, segundo elas, não é compatível com a realidade enfrentada.

Os documentos do inquérito trazem trechos da legislação tributária que apontam o absurdo da situação. Segundo o art. 32 do Código Tributário Nacional, um imóvel só pode ser tributado como urbano se contar com pelo menos dois entre cinco serviços públicos essenciais: calçamento com rede de drenagem, abastecimento de água, esgotamento sanitário, iluminação pública e escola ou posto de saúde próximos. No Recanto de Portugal, de acordo com o que está descrito no processo, esses critérios não são atendidos.

Ainda conforme consta nos autos do inquérito civil, o bairro não possui rede de drenagem pluvial e não há sistema de esgoto — os moradores utilizam fossas sépticas individuais. O calçamento é restrito a poucas áreas e a iluminação pública é descrita como insuficiente. O documento também aponta a ausência de unidades de saúde e escolas próximas, obrigando os moradores a percorrer grandes distâncias para acessar esses serviços básicos.

Além do IPTU, as moradoras mencionam também a arrecadação de IPVA, cujos valores teoricamente deveriam ajudar na manutenção das vias. “A gente não tem retorno. Nem uma praça, nem uma parada de ônibus. Só lama, buraco e esquecimento”, resume Eliane. Para os moradores, fica a sensação de que pagam por uma cidade à qual não pertencem.

Impactos na saúde, no trabalho e na dignidade

Os alagamentos constantes não causam apenas danos materiais, mas afetam diretamente o cotidiano e a dignidade dos moradores. Muitos trabalhadores precisam caminhar mais de um quilômetro até o ponto de ônibus mais próximo, enfrentando poças, barro e terrenos intransitáveis. “Tem gente que precisa sair de casa com sacola plástica nos pés, ou esperar carona. Não tem alternativa”, disse Martha.

Em dias de chuva, é comum que moradores fiquem ilhados. Alguns não conseguem sequer usar o banheiro ou cozinhar, porque a água retorna pelos encanamentos. “Tem vizinha minha que não pode tomar banho quando a rua enche. A água volta pelo ralo da pia, do chuveiro. Isso não é vida”, relatou Eliane, visivelmente emocionada.

A indignação também é acompanhada por um cansaço profundo. “A gente precisa correr atrás de tudo. De limpeza, de roçada, de patrola, e nada vem fácil. Você protocola um pedido e espera meses. A resposta só chega quando a água já entrou na casa”, afirmou Martha. A ausência de políticas públicas básicas tem adoecido a comunidade — física e emocionalmente.

A Rádiocom Pelotas segue acompanhando os desdobramentos do caso junto ao MP e ao SANEP.

*Confira a entrevista completa em nosso canal no YouTube.


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