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Educação patrimonial conecta memória, arte e comunidade
Pinturas, cúpulas, memórias e histórias em quadrinhos. Em Pelotas, a restauração de igrejas históricas tem se tornado também uma oportunidade de vivência sensível, inclusão e formação cidadã. A educação patrimonial realizada nos projetos da Catedral São Francisco de Paula e da Igreja do Porto tem revelado que a preservação da história local passa, antes de tudo, pelo encontro com as pessoas.
No programa Contraponto da RádioCom, as educadoras Liza Bilhalva Martins, antropóloga, e Marta Bonow Rodrigues, arqueóloga, contaram como moradores, estudantes e grupos em situação de vulnerabilidade estão se relacionando de forma ativa com o patrimônio cultural. A entrevista apresentou ações que vão além das visitas tradicionais, envolvendo desde oficinas artísticas até experiências táteis com pessoas cegas e de baixa visão.
Patrimônio como espaço de troca e pertencimento
Desde 2017, Liza e Marta atuam na restauração da Catedral e da Igreja do Porto e desenvolvem ações educativas em parceria com escolas, paróquias e a comunidade em geral. A proposta é fazer com que o patrimônio seja compreendido não apenas como algo a ser observado, mas como parte viva da identidade coletiva.
"A educação patrimonial não é uma transmissão de conhecimento. É uma troca. A gente aprende com as pessoas sobre o que aquilo representa para elas", explicou Liza. As atividades são planejadas conforme a fase da restauração e envolvem visitas guiadas, oficinas, registros históricos e encontros com os próprios trabalhadores das obras, como pedreiros e restauradores.
A escolha dos grupos é feita com foco na inclusão e na continuidade. Muitas vezes, a equipe busca escolas e comunidades próximas aos bens restaurados, priorizando instituições públicas e grupos com menor acesso a espaços culturais. "O patrimônio de Pelotas é para todos os pelotenses. Como é possível ter um grupo significativo que não se sente digno de entrar na Catedral?", questiona Marta.
‘Pai, agora o senhor é restaurador’: história e identidade em obras da Catedral
Durante a entrevista, as educadoras compartilharam histórias tocantes que emergem desses processos. Como o caso de moradores que, apesar de viverem ao lado da Catedral, nunca haviam entrado no prédio. Ou de um trabalhador que, antes da restauração, era da construção civil e hoje se reconhece como restaurador. As profissionais contaram essa história, em que o trabalhador relatou a reação da filha: "Quando chego em casa, minha filha diz: 'Pai, o senhor não é mais só pedreiro. O senhor é restaurador'."
Essas experiências mostram que a restauração de um bem cultural não é apenas sobre técnica ou estética. É, também, sobre identidade e reconhecimento. O contato com estudantes, trabalhadores e moradores amplia os sentidos da obra. Para as educadoras, é fundamental dar visibilidade a essas vivências e transformações cotidianas.
Quem ergueu a Catedral? Projeto resgata memória dos trabalhadores anônimos
As ações também revelam os silêncios da história oficial. Registros descobertos nas obras, como assinaturas de trabalhadores da década de 1930, ajudam a valorizar saberes populares e técnicos muitas vezes invisibilizados. “Quem fez a madeira? Quem ergueu as paredes? Essas histórias não estão contadas, e a gente precisa trazê-las”, ressalta Marta.
Com o apoio da arquiteta Simone Neutzling, essas marcas têm sido preservadas e expostas. A ideia é que o público veja as camadas da história presentes em cada detalhe: no piso, no telhado, nas paredes e até nas técnicas utilizadas na restauração.
Da cúpula ao papel: estudantes ajudam cegos a ‘ver’ a Catedral
Em 2025, o projeto inclui experiências táteis com um grupo de pessoas cegas e de baixa visão. A atividade será realizada em diálogo com estudantes do Colégio São José, que criaram representações da cúpula da Catedral usando texturas e mosaicos de papel. “Eles vão conhecer a cúpula a partir do olhar – e do toque – das crianças”, explicam.
As atividades sempre envolvem linguagens artísticas. Em edições anteriores, os alunos fizeram HQs com o artista Jonas Santos, que ajudou os adolescentes a verem as pinturas da Catedral como uma história em quadrinhos. Com crianças, as experiências sensoriais e a ludicidade tornam-se centrais. “Elas entendem perfeitamente a diferença entre uma reforma e uma restauração. E levam isso para casa, para os vizinhos, para a família.”
Curiosidades que despertam o imaginário
Durante as visitas guiadas, detalhes pouco conhecidos da história da Catedral também despertam grande interesse, especialmente entre as crianças. Uma das informações que mais surpreende os visitantes é a existência de pessoas enterradas dentro da Catedral. "Tem a cripta, onde estão os bispos, mas também há restos mortais de um benemérito numa das paredes", relatam.
Essas revelações provocam perguntas, reflexões e fascínio, e ajudam a reforçar a relação de afeto e curiosidade com o patrimônio. “As pessoas gostam de saber aquilo que nem todo mundo sabe. Isso marca a memória delas e reforça o vínculo com o lugar.” Para as educadoras, é esse tipo de conexão afetiva que fortalece o pertencimento e estimula a preservação.
Patrimônio para todos: continuidade e expansão
Outro destaque do trabalho é a formação de agentes comunitários. Na Igreja do Porto, o projeto "Parceiros do Patrimônio" busca capacitar moradores para que possam receber visitantes e conduzir atividades educativas. “Não pode depender só de museólogo ou de pacote turístico. A ideia é que a comunidade tome conta do bem.”
A equipe procura manter os mesmos grupos ao longo dos anos, mesmo quando o foco muda de local. “Trabalhamos com o São José na Igreja do Porto em 2024 e seguimos com os mesmos alunos na Catedral em 2025”, contou Marta. Isso fortalece vínculos e amplia a compreensão da cidade como um todo.
Durante a Semana do Patrimônio, as atividades se abrem a um público mais amplo. Em 2025, a programação inclui visitas guiadas na Catedral e ações na quermesse da Igreja do Porto. Entre elas, a criação de um “mapa das casas inventariadas” da região do Porto, para dialogar com os moradores sobre o que é permitido fazer em imóveis tombados. “Muito se fala do que não pode. Queremos falar do que pode.”
A Semana do Patrimônio 2025 será celebrada entre os dias 16 e 22 de agosto, com atividades especiais - tanto na Catedral, quanto na Igreja do Porto.
*Confira a entrevista completa no canal da RádioCom Pelotas no YouTube.
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