Pré-Conferência debate saúde das mulheres neste sábado
Contraponto: Pelotas se mobiliza por respostas diante da escalada dos feminicídios
Com o aumento alarmante de feminicídios no Rio Grande do Sul, movimentos sociais e representantes da sociedade civil se articulam para cobrar ações concretas do poder público. Nesta quinta-feira (22), uma audiência pública será realizada às 18h30 no Plenário da Câmara Municipal de Pelotas, exigindo medidas urgentes para a proteção das mulheres. A cidade foi cenário de um dos dez feminicídios registrados durante o feriado de Páscoa, intensificando a urgência do debate.
A audiência foi proposta pela vereadora Fernanda Miranda (PSOL), que participou do programa Contraponto da RádioCom para detalhar os objetivos da mobilização. Segundo a parlamentar, o encontro busca fortalecer a articulação da rede de enfrentamento à violência, escutar órgãos públicos e apresentar dados concretos sobre a precariedade das estruturas de acolhimento. “Cada mulher que morre é uma morte nossa também. Seguimos sofrendo com a banalização dessa violência”, afirmou.
Violência cotidiana e rede pública fragilizada
Fernanda Miranda revelou um dado estarrecedor: atualmente, Pelotas conta com apenas duas duplas da Patrulha Maria da Penha para acompanhar mais de 700 casos de medidas protetivas. “Esses profissionais não conseguem atuar à noite nem nos finais de semana. Como vamos prevenir feminicídios se o atendimento para as mulheres não é garantido nesses horários?”, questionou.
Além da falta de efetivo, a vereadora apontou falhas na articulação entre os serviços da rede pública. Mulheres em situação de risco, muitas vezes, não conseguem atendimento adequado ou são encaminhadas a serviços que não têm estrutura para acolhê-las. Segundo ela, esse descompasso pode resultar em tragédias evitáveis. “Uma mulher procura ajuda, não é atendida, volta para casa e não temos mais notícia dela. Isso não pode seguir acontecendo.”
A parlamentar também destacou a importância de uma atuação conjunta entre diferentes secretarias. A audiência pública, inclusive, convidou representantes das pastas da Habitação, Assistência Social, Educação e da recém-criada Secretaria de Mulheres. “Precisamos que todas essas áreas pensem políticas públicas com recorte de gênero. Uma mulher em situação de violência precisa de casa, de renda, de escola segura para os filhos.”
Fernanda reforçou que a rede precisa ser fortalecida com investimentos, diálogo e formação profissional. “Não basta ter equipamentos. É preciso que haja articulação e acolhimento real. O Estado tem o dever de proteger essas mulheres e garantir que nenhuma fique desamparada quando pedir ajuda.”
Educação e prevenção
A vereadora também defendeu o papel fundamental da educação no enfrentamento à violência de gênero. Para ela, as escolas devem ser envolvidas na política de prevenção, uma vez que recebem diariamente crianças e adolescentes que convivem com abusos dentro de casa. “A romantização da família tradicional esconde realidades muito duras. Em muitos casos, o agressor é o pai, o companheiro, alguém que vive sob o mesmo teto.”
Segundo Fernanda, professoras frequentemente relatam situações graves vividas por seus alunos. “Há mães que chegam desesperadas à escola porque o agressor está na rua com um facão ou ameaçando jogar água quente. As escolas também recebem crianças com comportamentos alterados, que estão pedindo socorro do jeito que conseguem.” Ela defendeu a presença de psicólogas e assistentes sociais nas escolas para identificar e encaminhar esses casos.
A entrevistada alertou que, muitas vezes, os sinais da violência são naturalizados. “Muitas mulheres acham normal serem controladas, impedidas de trabalhar ou de sair de casa. Acham que ciúmes é amor. Mas não é. Isso é posse. Precisamos combater essa cultura desde cedo, com formação crítica e campanhas educativas.”
Fernanda destacou que a prevenção é o caminho mais eficaz para reduzir os casos de feminicídio. “A escola é um espaço estratégico. É ali que conseguimos romper ciclos de violência antes que eles se tornem fatais.”
Governo do RS omisso e respostas superficiais
Para a vereadora, o governo estadual adota uma postura sistemática de silêncio e maquiagem de dados. “Depois que tivemos dez feminicídios em um único feriado, qual foi a resposta do governador? Permitir denúncias online. Isso é paliativo. Muitas mulheres não têm acesso sequer à internet”, afirmou. Ela também relembrou casos em que mulheres esperaram horas para serem atendidas em delegacias e acabaram desistindo da denúncia — com consequências trágicas.
Fernanda criticou duramente a extinção da Secretaria de Políticas para as Mulheres no estado, a precarização da Rede Lilás e o sucateamento das Delegacias da Mulher. “Estamos lidando com uma estrutura machista, patriarcal e insensível à vida das mulheres. Enquanto não houver orçamento, prioridade e transversalidade nas políticas, nada muda.” Segundo a vereadora, é essencial que os governos escutem os movimentos de mulheres e se comprometam com soluções pensadas a partir da realidade.
Organização popular como motor da mudança
Fernanda Miranda também destacou o papel da sociedade civil como protagonista na luta por justiça e proteção. Em Pelotas, diversos atos, conferências e manifestações vêm sendo organizados, como o ato “Parem de nos matar”, que acontece neste sábado às 10h, no Chafariz do Calçadão. “As mulheres não estão caladas. Estão nas ruas, nos bairros, nas escolas, cobrando, denunciando e propondo.”
A audiência pública desta quinta-feira é fruto direto da articulação entre a Secretaria de Mulheres e a Rede de Enfrentamento à Violência. Além das secretarias municipais, também foram convidados o Ministério Público, a Vara da Família e o Observatório Nosso Outras, que vai apresentar dados de uma pesquisa iniciada em 2023 sobre a rede de proteção em Pelotas.
“Temos que seguir organizadas. Hoje conseguimos dialogar com uma gestão mais aberta, mas ainda enfrentamos enormes desafios. As estruturas continuam frágeis, os recursos são poucos, e o machismo ainda dita muitas prioridades”, disse Fernanda. Para ela, o enfrentamento da violência exige coragem política, investimento público e mobilização constante.
A vereadora reforçou que nenhuma mulher pode ser deixada para trás. “Uma denúncia ignorada pode ser uma vida perdida. E isso, simplesmente, não pode mais ser tolerado.”
Serviço
Evento: Audiência Pública – “Políticas públicas efetivas e urgentes em defesa da vida das mulheres”
Data e horário: Quinta-feira, 22 de maio, às 18h30
Local: Plenário da Câmara Municipal de Pelotas
Descrição: Encontro organizado pela Procuradoria Especial das Mulheres e a Rede de Enfrentamento às Violências contra as Mulheres. O objetivo é cobrar ações do poder público diante do aumento dos feminicídios e da precarização das políticas públicas de proteção.
Gratuito: Sim
Acesso: Presencial, aberto ao público
*Confira a entrevista completa no canal da RádioCom Pelotas no YouTube.
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