Um texto poético inesperado na caixa de correio. Um conto breve entregue no silêncio da madrugada. Um convite à leitura que escapa das redes sociais e se materializa no cotidiano. Essa é a proposta do projeto literário As Palavras Também Se Levantam, idealizado pelo jornalista e escritor Roberto Giovanaz, que transforma ruas de Pelotas em rotas de literatura. Criada em 2023, a publicação chega à sua terceira edição e será lançada nesta quinta-feira (22), com uma roda de conversa na Biblioteca OTROPORTO.

Em entrevista ao programa Contraponto, Roberto detalhou a origem da ideia, a mecânica de distribuição e o impacto de levar textos literários diretamente à população. “É uma forma simples, mas potente de circular os nossos textos, de criar momentos de leitura fora do digital. A pessoa abre a caixa de correio, encontra um texto, e vive uma experiência literária real”, explicou.

Ideia simples, impacto profundo

O projeto surgiu no final de 2023 com uma motivação clara: tornar acessíveis as produções de autores locais, sobretudo aqueles que ainda não publicaram livros ou não têm acesso ao mercado editorial. Segundo Roberto, a ideia é “subverter a lógica da compra” e democratizar o contato com a literatura.

As edições reúnem contos, crônicas e poesias de diferentes autores e autoras da cidade e são distribuídas gratuitamente em caixas de correspondência, tanto em endereços aleatórios quanto por solicitação via formulário. “É uma experiência que não depende de estar online. A pessoa recebe sem pedir, lê em poucos minutos e pode se conectar com um texto que talvez nunca chegasse até ela por outros meios”, afirmou.

A cada edição, o projeto convida novos escritores. Na mais recente, os textos abordam temáticas ligadas à região do Porto, onde será realizado o evento de lançamento. A proposta, segundo Giovanaz, é valorizar a experiência urbana e os afetos locais: “Falar sobre lugares que fazem parte da vivência das pessoas cria uma identificação imediata. Isso ajuda a romper a barreira da leitura como algo distante ou elitizado.”

Rede literária e o papel da surpresa

A curadoria das edições é feita por Roberto, que se vale de uma rede de autores construída ao longo de sua trajetória em eventos como o Poesia no Bar e exposições de poesia. Os critérios são simples: textos curtos, acessíveis e que tenham potência literária. “O compromisso é com a diversidade de vozes e com o acesso. Recebo mensagens de autores que nunca publicaram, mas que querem começar. A gente conversa, e pode encaixar e distribui. É assim que começa”, explicou.

Além da curadoria, ele próprio realiza a distribuição pelas ruas de Pelotas. “Vou caminhando pela cidade com uma bolsa cheia de textos e vou colocando nas caixas de correspondência. Gosto de não avisar, de manter o fator surpresa. A pessoa abre a caixa, vê um papel, e aquilo pode ser uma conta, uma propaganda ou… um texto literário”, contou, rindo.

A proposta causa impacto também por romper a lógica acelerada das redes sociais. “Na internet, a gente lê um texto e já esquece no segundo seguinte. Isso aqui é diferente. É papel, é físico. A pessoa precisa pegar, abrir, ler. Mesmo que jogue fora depois, ela deu atenção àquilo. Isso já é muito poderoso”, afirmou Roberto.

Ler é possível: uma porta de entrada para novos leitores

Diante de dados que apontam queda nos índices de leitura no Brasil, o projeto se apresenta como uma alternativa criativa e concreta para ampliar o acesso à literatura. Uma pesquisa divulgada no final de 2024 revelou que 53% dos brasileiros não leram nenhum livro nos três meses anteriores à consulta. “Os livros são caros, e a vida das pessoas é difícil. A leitura acaba sendo deixada de lado. O que fazemos é tornar esse momento mais leve e possível.”

Para Roberto, não se trata de substituir o livro tradicional, mas de oferecer uma nova porta de entrada. “As pessoas não precisam ir até uma livraria, gastar dinheiro, nem separar várias horas do dia. Elas podem ler um texto breve em casa, no tempo delas, sem pressão. Isso descomplica a relação com a leitura”, destacou.

A edição lançada nesta quinta-feira reúne dois contos e uma crônica, com destaque para temas locais como a rua Dom Pedro II e fábricas abandonadas — espaços que compõem o imaginário urbano de Pelotas. “O leitor pode se reconhecer nesses lugares, lembrar de histórias da família, se sentir pertencente à narrativa”, disse.

Evento marca nova fase e convida à participação

O lançamento da nova edição da publicação acontece nesta quinta (22), das 17h às 19h, na Biblioteca OTROPORTO. O evento contará com a participação da professora Helena Santos e do jornalista Lucian Brum, ambos colaboradores da edição atual e representantes da cena literária local. Além da conversa, os participantes poderão retirar exemplares das edições anteriores.

Durante a entrevista, Roberto reforçou o convite ao público e também aos escritores iniciantes. “Se você escreve e não sabe como publicar, manda uma crônica, um conto, um poema para a gente. Queremos dar espaço para quem está começando, para quem não se vê representado nas editoras tradicionais”, incentivou.

As inscrições para receber as publicações em casa podem ser feitas de forma gratuita por meio do perfil no Instagram @levantapalavras. “É só preencher um formulário com nome e endereço. Em algum momento, o texto chega. É sobre isso: fazer a palavra circular, fazer a literatura bater à porta das pessoas.”

Serviço

Evento: Lançamento da publicação As Palavras Também Se Levantam + roda de conversa

Data e horário: Quinta-feira, 22 de maio, das 17h às 19h

Local: Biblioteca OTROPORTO – Rua Benjamin Constant, 701A, Pelotas

Convidados: Lucian Brum (jornalista) e Helena Santos (professora)

Descrição: Roda de conversa sobre literatura, acesso e distribuição de textos locais

Gratuito: Sim

Realização: Edital de Atividades Literárias da Biblioteca OTROPORTO, com apoio da TAG, Arikum e Arvut

Mais informações em @levantapalavras.

*Confira a entrevista completa no canal da RádioCom Pelotas no YouTube.