Contraponto: gestão do Conselho da Mulher promove descentralização, enfrenta resistências e amplia representatividade em Pelotas
Contraponto: gestão do Conselho da Mulher promove descentralização, enfrenta resistências e amplia representatividade em Pelotas
A gestão do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher (Condim), que se encerra em maio de 2025, marcou um momento histórico em Pelotas. Sob a liderança de Regina Nogueira (Kota Mulanji) e Eva Santos, o Conselho atuou fortemente na descentralização das pautas de gênero, na defesa da diversidade e no enfrentamento das resistências institucionais à efetivação de políticas públicas para mulheres. As gestoras trouxeram uma abordagem coletiva, territorial e política que resgatou o papel do Condim como espaço de composição e de luta.
Em entrevista ao programa Contraponto, na RádioCom Pelotas, Regina e Eva compartilharam um balanço dos dois anos de mandato, destacando ações de impacto direto na vida das mulheres pelotenses, como a interiorização das reuniões, a articulação com movimentos de base, a defesa do orçamento público com recorte de gênero e a promoção de políticas como o protocolo "Não é Não". A entrevista também abordou o processo de transição e as expectativas para a nova composição do Conselho.
Gestão conectada com territórios e raízes
Ao assumirem o Condim em 2023, Regina e Eva chegaram com o compromisso de romper com a centralização histórica do Conselho e com a predominância de entidades de perfil assistencialista. "A gente levou um choque, porque vínhamos de uma base de discussão de política de gênero, e encontramos instituições muito mais assistenciais, focadas em distribuição de alimentos, apoio jurídico ou acolhimento, mas com pouca atuação política", explicou Regina.
As conselheiras realizaram um diagnóstico do Conselho e constataram a necessidade urgente de descentralizar as ações. Isso se traduziu em reuniões em diversos bairros da cidade, como Dunas, Fragata e Navegantes, em terreiros, associações de bairro e centros comunitários. Para Eva, essa territorialização foi fundamental: "Fazer reunião no bairro com a mesma pauta e força que se faria no centro é uma maneira de afirmar que o bairro também é centro."
Diversidade e composição
A gestão também trouxe um marco na representatividade. Pela primeira vez, o Conselho teve uma coordenação com 50% de mulheres negras e 50% de mulheres brancas, além de encerrar a gestão com a participação de uma mulher trans. Esse cuidado com a composição refletiu o compromisso com a interseccionalidade e a luta antirracista.
Regina destacou a importância de ter ocupado o espaço representando o povo tradicional de matriz africana, validada por sua comunidade de terreiro. "Na gestão dos anos 90 eu vinha do movimento negro e de mulheres negras. Agora voltei ao meu lugar de origem", afirmou.
Espaço de composição e enfrentamento político
Eva trouxe à tona uma reflexão crítica sobre o papel dos conselhos municipais. Segundo ela, há uma tendência de esvaziamento da sociedade civil ou de absorção pelo poder público. "Ou o Conselho vira linha auxiliar do governo, ou é tomado pelo movimento. O desafio é manter o espaço de composição."
A gestão enfrentou resistência dentro e fora do governo. Durante o mandato da ex-prefeita Paula Mascarenhas, as conselheiras denunciaram a falta de avanços nas políticas para mulheres. "A Paula nunca nos tratou mal, mas não avançou um milímetro", disse Eva. Elas cobraram a criação de uma Secretaria da Mulher e políticas articuladas entre as secretarias, mas encontraram barreiras estruturais.
Um dos eixos centrais da atuação foi a discussão do orçamento público com perspectiva de gênero. As conselheiras mostraram que recursos já existentes em secretarias como Saúde, Educação e Desenvolvimento Social poderiam ser aplicados com recorte de gênero, se houvesse vontade política. "Sem orçamento não existe política pública", afirmou Regina.
Outra denúncia grave foi a inexistência de um protocolo unificado de atendimento às mulheres em situação de violência. Mesmo após insistentes tentativas, a gestão não conseguiu estruturar um fluxo de atendimento integrado entre serviços como CRAM, UBSs, Delegacia da Mulher, Educação e Assistência. "A rede estava desarticulada e o CRAM destruído", relataram.
Marcos da gestão
Entre os marcos da gestão está a implementação do protocolo "Não é Não" durante o carnaval. O Condim articulou-se com blocos carnavalescos, principalmente nos bairros, para garantir espaços seguros para as mulheres, inclusive expulsando agressores com medidas protetivas e dialogando com as lideranças para coibir a presença de violentadores.
Foi também protocolada uma proposta de portaria que impede o repasse de verba pública a pessoas com histórico de violência contra mulheres. Além disso, o Conselho promoveu debates sobre a cultura do assédio em bares e festas e exigiu da prefeitura critérios mais rigorosos na concessão de licenças para eventos.
Atuação
A gestão também atuou em temas como segurança alimentar e comunidades tradicionais. Articulou a inclusão de mulheres pescadoras no Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e discutiu as condições de vida nas colônias de pescadores, especialmente após um feminicídio na Z3.
Com relação às cozinhas solidárias, houve esforço em reconhecer o protagonismo das mulheres, tanto como beneficiárias quanto como lideranças que oferecem alimentos. Foram discutidas as políticas públicas para os povos originários e comunidades de matriz africana, sempre com a perspectiva de gênero.
Durante o período das enchentes, o Condim desempenhou papel fundamental. Garantiu a separação de banheiros por gênero nos abrigos, promoveu a prisão de agressores que se infiltravam nos locais de acolhimento e organizou a distribuição de informações e contatos úteis para as mulheres.
Também foi protagonista na articulação com o Ministério Público, sindicatos e outros órgãos para garantir medidas protetivas e a continuidade dos atendimentos, mesmo durante a crise.
Políticas para além da violência
A gestão deixou claro que políticas para mulheres não se restringem ao enfrentamento da violência. Educação, creche, saúde e habitação apareceram como principais demandas das mulheres nas bases. "É preciso pensar política pública como resposta ao cotidiano das mulheres. A violência simbólica, política e estrutural é o pano de fundo de tudo isso", declarou Regina.
As inscrições para novas entidades no Condim vão até 8 de maio. A eleição será no dia 13 de maio, às 16h, na Casa dos Conselhos. Podem concorrer entidades com CNPJ que atuem com políticas para mulheres. A coordenação atual defende mudança na lei para permitir a participação de movimentos sociais sem CNPJ.
Regina e Eva não concorrerão novamente, por princípio de renovação. "A continuidade depende do movimento. Seguiremos presentes, atentas e participando dos plenos. Não queremos fechar as portas para ninguém", afirmou Eva.
Entre os legados da gestão, destacam-se a presença constante nos plenos (todos realizados de forma presencial), a criação de pautas consistentes, o respeito à diversidade, a abertura à participação popular e a afirmação do Condim como espaço legítimo de articulação política. "Se resolvermos os problemas das mulheres e da população negra, resolvemos os principais gargalos das políticas públicas", finalizou Regina.
Serviço
Inscrições: abertas para entidades interessadas em integrar o Condim (Conselho Municipal dos Direitos da Mulher)
Prazo de inscrição: até 8 de maio de 2025
Data da eleição: 13 de maio de 2025, às 16h
Local: Casa dos Conselhos (Rua Três de Maio, 1.229, Centro, Pelotas)
Quem pode se inscrever: entidades com CNPJ que atuem na promoção de políticas para mulheres
Email de inscrição: conselhomulherpelotas@gmail.com
A coordenação atual defende mudanças na legislação para que movimentos sociais sem CNPJ também possam participar nas próximas gestões.
Texto de: Redação
Imagem: Ridley Madrid/RádioCom
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